segunda-feira, 28 de março de 2011

Breves notícias do Japão - Tentando voltar à normalidade, apesar da tragédia estar muito longe do fim.

Uma caixinha preta chamada Japão. Mais pra sodoma e gomorra.


por Mario Kodama, segunda, 28 de março de 2011 às 12:23, por Diários do Arquipélago

Dei uma folga para tragédia. Evitei a tevê e a internet por esses dias. Como se fosse possível dar “um tempo”, quando se está no meio de um lugar em que o perigo está tão escancarado na sua frente. E, é tão letal e invisível como a radiação atômica que toma conta do seu corpo e da sua alma. E nem sempre depois da tempestade vem a bonança. A verdade é que depois de um terremoto vem um tsunami de proporções gigantescas, como garantia de que não haverá mais esperanças. Mas como o homem é teimoso, para tentar terminar o serviço vem uma explosão atômica.

Não sei se é para rir ou para chorar, mas desconfio que Alguém definitivamente não joga dados. E, falando sério não vejo graça nenhuma. Sinto que estou no meio de sodoma e gomorra. E Alguém está querendo afundar com a ilha, de forma absolutamente intencional. Como se não fosse o bastante a falta de recursos – de todo tipo – e de espaço que restringe o povo japonês à sua disciplina e à sua alegre tristeza. E apesar de todas as probabilidades, tornou-se a segunda maior potência do mundo civilizado. É o rato que ruge, que ousou desafiar todos os parâmetros que lhes foram impostos. E Alguém lá em cima perdeu a paciência. Não é possível!!!.

E eu, não pude evitar de ficar com o saco cheio. — Para o mundo que eu quero descer!!!. Como se pudesse ter alguma escolha sobre o que está ocorrendo. Fico irritado toda vez que a terra balança, e vejo um sorriso sarcástico nos lábios de Deus. Queria que Ele também me desse um tempo. A terra continua a tremer todo o santo dia.

Não dá mais para ter certeza de nada. Não dá para acreditar nas informações do governo japonês. As informações sobre as radiações são muito desencontradas. O Japão parece condenado ao seu suplício. A contaminação dos reservatórios de água da região da tragédia até Tóquio, passando por Tochigi, Ibaraki, Gunma, Saitama (onde moro) e Chiba, é fato. O mais certo seria evitar tomar e utilizar a água de torneira. Mas não há alternativa. O desabastecimento de água mineral é total.

O governo japonês diz que é seguro para os adultos beber esta água. Mas imprópria para bebês. Vamos saber daqui a uns vinte anos se é verdade. Muitos japoneses já desconfiam das informações oficiais. Perguntei para uma colega japonesa, mãe de dois filhos pequenos, se era possível beber a água se fervida. Ela disse que sim. Já outro colega meu, o cético sr. Sekimo, ele disse que não. Pelo contrário, a água fervida pode ter o seu risco de contaminação aumentado pelo vapor.

Perguntei ao Sekimo-san que medidas estava tomando em sua casa, onde mora com papai e com a mamãe. Ele disse que não existia outra alternativa senão utilizar a água de torneira, já que nos supermercados a água mineral está esgotada ou esgota rapidamente na medida que é abastecido. O único consolo é que os riscos de contaminação da água caem exponencialmente, retornando a níveis toleráveis em dois ou três dias. Pelo menos é o que dizem os técnicos.

Sekimo-san é um jovem, dos seus cerca de 30 anos, bem desconfiado para um japonês. Ele também é bastante alto para um nipônico. Tem seus 1.80 m, é magro como um palito. Acumula diversas doenças – uma delas congênita, que causou recentemente o seu internamento. Parece que houve a paralisação do fígado, ou coisa parecida. Segundo ele, os médicos não descobriram a causa do seu sofrimento. Ele é branco como um lençol e tem as bochechas rosadas, de problemas na pele do rosto.

Os cabelos do japonês são duros e espetados para baixo. De olhar imóvel de poucos sorrisos, Sekimo-san sofre de alergia do kafum, uma praga japonesa no verão, causada por uma invasão do pólen de um popular pinheiro nipônico. Muitos brasileiros contraíram o mal. É uma agonia nacional, quando o calor úmido e insuportável chega às plagas do arquipélago.

De quebra, Sekimo-san tem alergia a detergente. Tem as mãos ressecadas e cheias de chagas e feridas. Mas é um cara bem legal. Dos poucos que comenta sobre as tragédias do noticiário e me explica coisas. Esse artigo é um pouco dos muitos assuntos que discuto com ele enquanto trabalhamos. Das poucas vezes que o seu turno coincide com o meu.

Na opinião de Sekimo-san, a tevê e o governo estão escondendo muita informação. Segundo ele, o Japão ainda tem outras usinas nucleares muito semelhantes a que foi danificada pelo terremoto e teve seu sistema de resfriamento avariado pelo tsunami. E que provavelmente estariam condenadas também porque está constatado que estão muito vulneráveis aos abalos sísmicos – numa das regiões de maior risco do planeta neste tipo de fenômeno natural.

Para ele também não se noticiam as condições em que estão funcionando usinas nucleares localizadas muito próximas a de Fukushima e que também estão no litoral do Pacífico. Sem falar que, o país ainda conviveria com a tragédia da gripe aviária e suína no sul do Japão, que não está sendo noticiado, de acordo com ele. Também saiu do noticiário o problema do vulcão, que voltou à atividade e estava assolando duas províncias também do sul do Japão, no início do ano.

Para contrapor ao Sekimo-san, tem o sr. Takahashi. Outro colega jovem japonês, do seus 28 anos, que é uma figura muito entusiasmada. Músico e amante da bossa nova, ele diz para ficar tranqüilo e confiar no governo. Quando digo que tem uns amigos meus fazendo uma campanha para que eu volte para o Brasil, ele dá uma risada gostosa. Elétrico, ele se encontrou no trabalho da casa de repouso, depois de perder o emprego na linha de produção de carros na crise imobiliária dos Estados Unidos, em 2008.

De semblante alegre, Takahashi-san é careca, de cabeça lisinha, e invariavelmente está de bandana vermelha estampada, o que lhe dá um ar bem rockeiro. Sempre falante, carrega um sorriso vivo no seu rosto branco e dentes frontais encavalados, com manchas de nicotina. Apesar de ter passado por terapia de eletro-choque depois de uma crise de karoshi (excesso de trabalho), em que parou de dormir, parece uma pessoa bem centrada e feliz.

Peço perdão pelo atraso nas respostas dos email. A caixa de correspondência está sempre lotada e cheia de solidariedade. Sou muito grato e agradeço a Deus por tantos amigos. Muito obrigado e tudo de bom. E que tudo volte em dobro e em felicidade para todos. Dou um tempo de vez em quando mas volto sempre. Tinha uma namorada que dizia que sou como uma Fenix. Kkkkkk

Abraço a todos.

PS (Pituca): Só que o Mário não voltou para a namorada. Só para constar kkkkkk

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