sexta-feira, 24 de setembro de 2010

A reação da mídia que até agora eram consideradas "imexíveis"

“O que vem pela frente depois das eleições?”

Celso MarcondesNo CartaCapital 23 de setembro de 2010 às 10:42h
Quem pergunta é o professor Venício A. Lima, um dos maiores estudiosos da mídia brasileira e sua relação com a política. Por Celso Marcondes. Foto: Ricardo Stuckert
“Fico preocupado com o que vem pela frente depois das eleições”, diz o professor Venício A. Lima, ao ser indagado sobre a campanha eleitoral no País. Em particular, queríamos saber sua opinião a respeito da proliferação de denúncias que a grande mídia tem divulgado contra o governo federal e a reação do presidente Lula diante delas.
Lima é seguramente um dos principais estudiosos brasileiros na área de comunicações; escritor de vários livros e dezenas de artigos sobre mídia e política. Sociólogo e jornalista, é mestre, doutor e pós-doutor em Communications pela University of Miami-Ohio. É professor titular de Ciência Política e Comunicação (aposentado) da Universidade de Brasília e professor vistante nas universidades de Illinois, Miami-Ohio e Havana.
Na nossa conversa ele fez questão de, antes de tudo, “contextualizar” o fenômeno que ocorre hoje no Brasil, às vésperas das eleições presidenciais. Para o professor, o “papel de partido de oposição” assumido pelos principais veículos de comunicação deve ser visto dentro de um cenário mais amplo, pois é similar ao que ocorre em vários países latino-americanos. Neles, os últimos presidentes da República foram eleitos em disputas contra os candidatos das elites, apoiados pela grande mídia de cada país.
“Essa velha mídia”, como ele denomina, “sempre foi aliada, parceira e cúmplice das classes dominantes na América Latina e em alguns destes países durante as ditaduras dos anos 60 e 80. Isso é comprovado, com arquivos fartos nos principais centros de documentação de história”.
Derrotadas nas urnas “em processos regulares, em eleições livres, esses veículos se depararam com novos governantes sem vínculos com eles e com as elites que detinham o poder no passado. Esses novos governantes, com várias nuances regionais, logo trataram de mexer com a mídia, até então considerada ‘imexível’ ”, recorda o professor.
Para ele, esta relação que começou a ser estabelecida na Argentina dos Kirchner, na Venezuela de Hugo Chávez, na Bolívia de Evo Morales, no Uruguai de José Mujica, no Equador de Rafael Correa e “até no Chile” de Michelle Bachelet é de novo tipo. Uma das caracterísiticas do novo quadro é que parte desses governos coloca na pauta uma rediscussão das concessões que o Estado confere aos veículos de comunicação. “Concessões são serviços públicos, têm que ser reguladas por critérios”, lembra.
Lima é cuidadoso ao explicar o processo, diz que a mídia tradicional enfrenta também outras questões muito sérias que colocam em cheque a sua própria soberania e sustentação financeira, como os avanços tecnológicos e o maior acesso da população às notícias gratuitas on-line. Inclui aí os Estados Unidos e recorda os enfrentamentos de Obama com grupos midiáticos que apoiaram os republicanos.
A reação é organizada, diz o professor. “Eles se reúnem na Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), têm uma ação orquestrada”. A associação, para quem não sabe, tem como dois principais objetivos “defender a liberdade imprensa” e “os interesses da imprensa nas Américas”. Ela é presidida por Alejandro J.Aguirre, do “Diário Las Américas”, com sede em Miami.



A campanha no Brasil - Só depois de fazer sua contextualização é que Lima retoma a discussão sobre o Brasil. Ele relembra dois momentos distintos das relações do governo Lula com a imprensa. O primeiro, no ínício do primeiro mandato, em 2002, quando o governo buscava dialogar com a mídia”. Exemplifica ao lembrar a atuação de dois dos principais ministros de Lula na época: José Dirceu, na Folha de S.Paulo, falava em buscar acordos com a mídia e Antonio Palocci teria submetido a “Carta aos Brasileiros” à apreciação prévia de dirigentes da Rede Globo.
O segundo momento, segundo o professor, é aquele das eleições de 2006, com “a interferência direta da mídia para incentivar o segundo turno entre Lula e Alckmin, ao dar enorme repercussão para os escândalos políticos”, diz, relembrando o caso dos “aloprados” do PT. “Houve ali uma grande hostilidade da mídia em relação ao Lula”, ele afirma (*).
O momento atual guarda uma identidade com 2006. “Hoje, diante da provável derrota do candidato visivelmente apoiado pela grande mídia, apontada por unanimidade pelos quatro institutos de pesquisas mais respeitados, este confronto fica claro”, ele diz. E alerta: “A velha mídia comete um erro ao assumir o papel de partido de oposição. Ela restringe cada vez mais seu espaço aos leitores que já têm, fala sempre com os mesmos”. Depois desta última afirmação, Lima para e faz uma reflexão: “Será que isso faz parte de uma estratégia de sobrevivência? Com a internet, eles todos são hoje veículos de análise, não mais de notícias, estas já estão disponíveis na rede”. Ou seja, análises para quem já concorda com suas respectivas linhas editoriais, eu deduzo. Manter os leitores já conquistados, seria a meta.
Pesquisador e estudioso do assunto, o professor conta que tem viajado muito pelo País, participado de debates e seminários com acadêmicos, estudantes e sindicalistas. Nestas andanças, relata que a inquietude quanto ao papel de partido de oposição que a grande mídia tem jogado nesta reta final da campanha eleitoral é revelada por muita gente, inclusive por aqueles que votam com a oposição.

Pergunto a ele se o presidente Lula não pode também ser questionado pela sua participação ostensiva na campanha de Dilma Rousseff e pelo tom inflamado de seus discurso. Destaco, em particular, seu pronunciamento no programa de TV da candidata logo que os escândalos da Receita e o de Erenice Guerra ganhavam força. Este episódio, recorde-se, teve enorme questionamento da oposição e foi a partir dele que ganhou força a onda de acusações contra a atuação do presidente na campanha. Lima não concorda. Ele diz que “como qualquer presidente, Lula tem um compromisso politico. Se ele não infringe a legislação, não há problemas, faz parte do jogo. Se a oposição acha que ele está passando dos limites, deve usar os canais competentes para protestar. Qualquer um pode pedir direito de resposta”.
O professor aproveita o mote para rechaçar também aqueles que falam numa suposta “mexicanização” do País. A análise, lida em vários artigos de colunistas nos jornais, pretende assemelhar o domínio que o PT teria no País ao que o PRI teve no México por dezenas de anos. Ele recomenda que eu leia o professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais, Fábio Wanderley Reis, “que não nutre qualquer simpatia com Dilma”, ressalta, e que rechaça essa tese. “O que estamos assistindo é a volta da UDN, de quem não aceita o jogo democrático”, conclui.
Não conversamos sobre o contéudo das denúncias, pois todas são, por princípio, passíveis de apurações e investigações. Falamos sim sobre a quantidade, a rapidez e a forma com que elas surgem, sempre sob iniciativa da imprensa e sempre a exigir “providências imediatas” do governo. Todas elas, às portas das eleições, como que se tivessem sido estocadas para o momento. Cada grande veículo de comunicação em busca de um “furo” novo, ao mesmo tempo em que repercute a denúncia dos demais órgãos.
Lembramos que num primeiro momento, a campanha de José Serra nem fazia oposição ao governo Lula, até usava a imagem do presidente no programa eleitoral na TV. Depois, com a subida de Dilma Rousseff nas pesquisas, o governo passou a ser atacado duramente. Logo em seguida, o alvo foi a Casa Civil e Erenice Guerra, muito próxima à candidata – o que nos deixou a imaginar quais seriam as próximas denúncias.
Conto ao professor que entre o sábado 18 e a segunda-feira 20 de setembro li na imprensa a divulgação de mais 7 denúncias novas contra o governo Lula e/ou sua candidata e aliados, três delas na Veja: propinas na compra do Tamiflu, favorecimento à empresa do marido da então ministra Erenice Guerra e desvio de dinheiro dos irmãos Cid e Ciro Gomes no Ceará. Na Folha de S.Paulo eram outras três: o uso de emissora de TV estatal na gravação da participação do presidente Lula em comícios, a acusação de favorecimento à empresa durante a gestão de Dilma quando secretária no Governo do Rio Grande do Sul e a manutenção de contratos suspeitos nos Correios. No Estadão, mais uma, que apontava as relações escusas do diretor de operações dos Correios com empresa de aviação que presta serviços a estatal.
Digo ao professor que, ao mesmo tempo, haviam sumido completamente do noticiário os escândalos da Receita Federal e o do suposto pedido de intermediação do consultor Quícoli junto ao BNDES. Brinco com ele: “assim, professor, leitor algum consegue acompanhar direito um caso”.
Ele reage : “é uma loucura isso que você está me contando, é isso que chamo de denuncismo. A mídia substitue a oposição. Ela publica, o partido divulga no horário do TRE. O Marcos Coimbra (do Vox Populi) apontou bem isso. É muito grave, ela enfraquece o papel do partido de oposição”.
Comento que fica claro o objetivo de levar o pleito para um segundo turno ou, então, se o segundo turno não ocorrer, eleger um novo governo já enfraquecido diante de tantas denúncias.”É, pode ser um beco sem saída, muito preocupante, muito preocupante”, ele afirma ao encerrarmos a conversa.
(o diálogo com o professor aconteceu dia 21. Nas últimas 48 horas, novos eventos colocaram mais lenha na fervura. Valem outros artigos)
*(para quem quiser saber mais deste período, o professor Venício publicou o livro “A Mídia nas eleições de 2006”, que contém artigos de diversos jornalistas e professores avaliando dados de diversos institutos que mostram claramente o enquadramento da mídia com a campanha tucana).

Celso Marcondes
Celso Marcondes é jornalista, editor do site e diretor de Planejamento de CartaCapital. celso@cartacapital.com.br

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